sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Ode ao Malandro II


Ode ao Malandro II
Márcio Barker

salveamalandragem


Chapéu estilo ''panamá'',
geralmente de lado.
Terno branco, de linho.
Impecável.
Gravata, quem sabe vermelha.
Cravo na lapela.
Ou então camisa listrada.
Lenço no bolso do paletó,
ou no pescoço.
Sapatos bilcolores
Perfumado.
Rosto tranquilo,
fala macia.
Mãos finamente tratadas.
Mãos que seduzem, que encantam...
que acariciam...
Simpático,
bom de papo,
bem penteado.
Olhar sedutor, cativante,
impossível de ser resistido.
Daí o seu sucesso com desavisadas donzelas.
Usa até desodorante.
Andar tranquilo e gingado.
Era o malandro à antiga.
De pequenos golpes,
indolores...imperceptíveis.
Mãos de veludos sequestrando,
desavisadas carteiras,
em desavisados bolsos.
Nada mais desejava senão viver.
Sem fazer mal a ninguém,(na medida do possível)
e viver em paz.
O maxixe e o samba eram sua orações.
O violão, o grande companheiro.
Era o malandro ágil, bom de pernas,
pra ganhar a corrida da polícia.
Era ele, o grande herói no imaginário.
Chapéu de lado.
Tamanco arrastando,
navalha no bolso,
passando gingando,
provoca e desafia,
e, sem dúvida,
sentindo orgulho em ser tão vadio,
como bem o descreveu,
o compositor malandro Wilson Batista,
em ''Lenço no Pescoço''





quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Ode ao Malandro - I


Ode ao Malandro - I
Márcio Barker

(devotosdacachaça)


                         Nas vitrines das grandes companhias de navegação europeias, não raro havia um aviso. Dizia mais ou menos assim: ''Vá a Buenos Aires, sem passar pelos focos infecciosos do Rio de Janeiro''.
Havia verdade naquele anúncio.
Estávamos já no início do século vinte, e a capital federal brasileira sofria de muitos males.
Eram várias as pestes, saneamento básico quase inexistente, moradia insuficiente, enfim, a coisa era séria.
Quem se aventurasse a ir para a capital federal, no início do século passado, não tinha sequer um porto descente, para desembarcar. Os navios atracavam ao largo, e os passageiros eram levados em botes, até a terra.
Aquela situação não era a de uma capital federal. Algo deveria ser feito.
Foi quando o paulista Rodrigues Alves, recém eleito presidente da república, nomeou o carioca Francisco Pereira Passos, como prefeito da cidade. A ele caberia a total remodelação da capital federal, para uma estrutura digna de seu  status.

multirio.rio.rj.gov
A população da cidade crescia, aos milhares chegava gente vinda de todos os lados, em busca da esperança. Migrantes estrangeiros e de outros estados do Brasil.
O Rio de Janeiro parecia acenar de longe, para toda aquela gente. Além disso, a abolição da escravatura jogou em suas ruas, um grande número de desesperançados que perambulavam pela cidade, em busca da sobrevivência dura e dolorosa.
Entulhados em sórdidos cortiços, aquela gente sobrevivia como podia, em meio a condições precárias de higiene. E, coisa que não faltava eram doenças e epidemias.

multirio.rio,rj.gov
Aquele centro da capital federal era tudo, menos o que deveria ser.
O genial Pereira Passos começou com o ''bota abaixo''.
Centenas de velhos cortiços, casarões decadentes foram postos a abaixo. Ruelas estreitas e féditadas desapareceram, dando lugar a avenidas e belas ruas, agora chamadas de boulevards Em quatro anos, o prefeito carioca, Pereira Passos realizou uma mágica. De ''cidade da morte'' o Rio de Janeiro passou a ser a ''cidade maravilhosa.
Grandes avenidas, belos edifícios ao estilo parisiense, uma urbanização impecável. Agora, com amplas avenidas, belos jardins, a cidade respirava.

Municipal RJ

Mas...pois é, sempre tem um ''mas''. Mas e os milhares que viviam e sobreviviam nas centenas de cortiços postos abaixo? O que foi feito deles?
Para aquela gente, que foi empurrada em nome da ''higienização'' da capital federal, sobraram os morros e o mangue. Berço da marginalidade. E de um personagem lendário: O Malandro.
Um deles não deixou de protestar. Foi José Barbosa da Silva, o Sinhô, que se auto intitulava como o ''Rei do Samba''.
Negro, elegante, pianista, malandro, cantor e compositor, escreveu, em 1929, ''A Favela vai abaixo''. Aqui, numa versão moderna



quarta-feira, 19 de setembro de 2018

A voz macia e o vozeirão


  A voz macia e o vozeirão
Márcio Barker





Nas primeiras décadas do século passado, fosse no rádio ainda nascente, nos teatros de revista, em reuniões no fundo de algum quintal, ou mesmo nas serestas pelas ruas a fora, o romantismo dava o tom.
Nomes como do compositor, e intérprete Gastão Formenti, Vicente Celestinho, ou compositores como Catulo da Paixão Cearense, entre tantos outros, hoje são símbolos de um romantismo quase levado às últimas consequência.
Gastão Formenti
Versos como esse, eram a tônica.


Na Serra da Mantiqueira.
Sob a fronde da mangueira
Que ela em moça viu plantar.                                          
Sentadinha no seu banco.
La na encosta do barranco.
Mãe Maria vai sonhar.
(Na Serra da Mantiqueira – G. Formenti)


Composições como esta, com versos rebuscados, palavras ''difíceis'', que demonstrava um esfôrço na erudição, eram interpretadas com voz empostada, repleta de longos graves e agudos, onde também eram fartos os trêmulos e vibratos.
Era o modo de cantar de toda uma época, quem sabe vindo das árias operísticas, e até, operetas.
Mas, já nos anos vinte e, principalmente na década de trinta, a coisa mudou.
Estava surgindo um novo tipo de cantar, e que se adequava como luva, ao samba do Estácio, surgido no início dos anos trinta, no bairro do Estácio de Sá, Rio de Janeiro.
A seguir, um interessante exemplo, desses dois modos interpretativos, numa mesma gravação.

Mário Reis
Francisco Alves



                                                            








De um lado Mário Reis, que inovava com sua bossa, voz macia e leve. De outro, a voz forte de Francisco Alves, com seus vibratos e longos agudos e graves,  que é um exemplo do modo interpretativo que marcou toda uma época O ano é 1930, quando gravaram a marcha carnavalesca ''Formosa'', de J. Ruy e Antonio Nassara.
Ouçam.

(imagens - internet)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Quem sou eu

         


(sou o da direita)

Quem sou eu
Quando criança, morei numa casa que não era grande, mas tampouco pequena. Tanto assim, que tinha até sala de visitas, vejam só

Nela, havia um bonito piano, bem antigo, Zimmermann, alemão. 
Num dos cantos daquela sala, um violoncelo acomodado. No outro canto, um vitrolão, num bonito móvel de madeira.
Meu pai sentava ao piano, e lá ia ele tocando fox-trotes, ragtimes, dizzeland, valsas, sambas e por aí vai. Tocava também Chopin, que ele gostava muito.
Quando eu ouvia ele ao piano, corria até a sala de visitas, e ficava bem quieto, escutando.
Outras vezes ele trocava o piano pelo violoncelo. Som grave, sóbrio, elegante.
Quando não havia nem o piano, ou o violoncelo, eu escolhia alguns discos (todos de 78 rotações), subia numa cadeira (eu era pequeno) e colocava na vitrolonona. Gostava daqueles discos, com músicas alegres, agitadas. Eram pianos no estílo ''Honktonk'', bandas de diexeland, além de sambas de Noel, Adoniran, Herivelto, só para lembrar de alguns.
A casa de minha infância sempre recebia visitas. Amigos, parentes, vizinhos. Se reuniam ora na sala de visitas, ora na sala de jantar. Eram muitas as histórias. Falavam de política, de histórias de Bragança Paulista, Perdões, Buquira, São José dos Campos, de São Paulo. Eram histórias interessantes, coloridas, humoradas, até as histórias de fantasmas.
Lembro que sentava na mesa, perto de todos eles, e ficava bem quieto, só ouvindo. Histórias sem fim. Histórias das idas e vindas e do sobe desce  do Brasil. Das e vindas do mundo. E, na minha cabeça, eu ia formando um caleidoscópio de imagens. Escutava tudo atentamente...até hoje muitas delas, ainda estão vivas.
Um dia eu sonhei que iria estudar música, para tocas aquelas que ouvia no piano do meu pai, e nos discos de casa. E que também, iria escrever muitas histórias, pois com elas a imaginação voa para bem longe. Sim, eu seria um contador de histórias.
Assim, continuei pela vida a fora, como  aquele moleque curioso, cheio de perguntas, olhando para todos os lados.
Me graduei em História, pela Universidade de São Paulo, trabalhei sempre com cultura, inclusive por trinta e cinco anos, na Rádio e TV Cultura de São Paulo, e uns anos a mais na Rádio Web, do Centro Cultura São Paulo. Tenho ainda, publicado pela Editora Vozes (Petrópolis), um livro de contos infanto-juvenis: ''Vinte dois Contos, e o Dom da Liberdade'' (Obs. NÃO se trata de auto-ajuda). Na realidade é uma coletânea de contos que escrevi , para a série de programas infanto-juvenis, ''Bambalalão'', produzido e veiculado pela TV Cultura de São Paulo.
Enfim, sempre pesquisando, sempre escrevendo, sempre contado muitas histórias, para quem quisesse ouvir, no rádio, ou na televisão.
Música eu aprendi um pouco. Estudei órgão, para tocar os mesmos foxes, ragtimes, blues, sambas de que gostei, e ainda gosto.
Hoje já não tão jovem,  continuo o garoto daqueles  bons tempos, sempre com música e História na cabeça...que bom!




terça-feira, 4 de setembro de 2018

Eu também sou doutor





Eu também sou Doutor
Márcio Barker

(imagem Google)

Corriam as primeiras décadas, do século passado. Foi quando começou a aparecer em maior número, um personagem relativamente novo: o doutor.
Sim, aquele doutor todo chic, engomado, penteadíssimo, com brilhantina, terno, colete, paletó, também perfunmadíssimo, sapato de cromo alemão, gravata italiana e terno de gabarne inglês. Isso sem esquecer da elegantíssima piteira. E, coroando, um belo anel de formatura.
Anel com pedra azul, o doutor era engenheiro. Anel de pedra verde, era médico ou veterinário. De pedra vermelha, doutor em leis.
Naturalmente aqueles jovens eram alvo de olhares fascinados, e suspiros lamentosos. Eram, também alvo, (predileto, diga-se de passagem) das aflitas mamães, de não menos aflitas senhoritas ''casadouras''. Eram eles o protótipo do que se chama, até hoje, de bom partido.
Para poder chegar a ter um anel de formatura no dedo, naturalmente eram filhos de gente da finesse. Trafegavam em ambientes geralmente ''finérrimos'', como clubes esclusivos, salões para poucos, longe das cores tristes das periferias.
A periferia do trem subúrbio, da marmita, da favela, do dinheiro curto, do samba.
Custódio Mesquita
Imagem Google
Pois é, o samba, que todos cantavam, dançavam e gingavam...até os tais doutores...quem sabe muitos, disfarçadamente. Sim, porque vivianos num Brasil que, sair com violão debaixo do braço, era meio convite para a cadeia.
Mas e o sambista na terra dos doutores? Como ficava? Não tinha seus direitos?
Então veio Custódio Mesquita, maestro, pianista, compositor e arranjador,e fez uma justa reivindicação, em nome de todos os sambistas: ''Doutor em Samba'', que foi gravado por Mário Reis, em 1933.
Rio de Janeiro
Imagem Google

Mário Reis
Imagem Google
                                                                                         


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O Menino


O Pequeno Menino




Na casa de meus pais, lá na Pompéia, bairro bem paulistano, havia uma sala, que desde pequeno, me parecia mágica.
Nela, um lindo piano, Zimmermann, feito em Leipzing, Alemannha. Meu avô havia importado para minha mãe, mas quem tocava era meu pai.
Ele sentava naquele piano, e tocava foxtrots, ragtimes, blues, choros, valsas e sambas.
Eu era bem pequeno, corria até aquela sala, e ficava bem quieto, ao lado do piano, escutando especialmente os ragtimes, os blues e os sambas.
Admirava a mão esquerda de meu pai. Fazia mágicas, naquilo que eu viria a saber que, tratavam-se de contracantos.  Contracantos genialmente bem assentados, dando o ritmo, a graça, o veneno, o gingando. Era, aliás, um piano bem safado.
Meu pai era biólogo marinho, e pianista nas horas vagas. Mas não só, às vezes trocava o piano pelo violoncelo. Belo instrumento, circunspecto, melodioso, voz grave, mas romântico.
Num outro canto daquela sala, um vitrolão imenso. Só tocava 78 rotações. Eu subia numa cadeira, e colocava o disco escolhido. Haviam muitos, mas eu pinçava uns de rótulo vermelho, da RCA, com aquele cachorro escutando um gramofone. O rótulo anunciava o título, e o executante. Não lembro mais do título, mas quanto ao executante nunca esqueci.  Dizia assim: ''Um Pau D'água ao Piano''.
Eram discos de ragtime, como esse aqui.

A Voz do Povo Márcio Barker pinterest Mal iluminada, suja, poças d'água. O local é uma zona portuária que, como to...