A
Voz do Povo
Márcio
Barker
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Mal
iluminada, suja, poças d'água.
O
local é uma zona portuária que, como todas as zonas portuárias é
um universo particular.
O
caminhante vai zanzando, dependurado em seu cigarro já meio fumado.
Embalado,
e distanciado de suas tristezas pelo álcool, ele cantarola uma
canção. Ela fala de amores, desamores, desencontros sentimentais,
de mulheres inalcançáveis, amores impossíveis. Já é meia
madrugada, e aquele boêmio não tem pressa de regressar. Talvez até
se pergunte, ''para onde''?
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Senta
numa mesa, de um dos infinitos bares ordinários, sujos. Mas um
universo de sentimentos, olhares perdidos, paixões, que o bandoneon
e a guitarra traduzem em magníficos tangos.
Era
a Buenos Aires das primeiras décadas do século vinte.
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whereyart.net |
Na
avenida, o cortejo segue firme. Algumas pessoas empurram um pequeno
carro, onde está o caixão de quem morreu. Atrás, rostos duros,
tristes, lágrimas, inconformismo, tristeza, almas abandonadas pela
tristeza. Mão com mão, mão no ombro, mão que afaga uma cabeça desconsolada. E, lá atrás, a música triste, que fala de uma
angústia inconformada pela partida.
O
som de uma tristeza cortante, induz as lágrimas, os lamentos, a dor.
Trompete, trombone, clarinete, banjo e o whasboard, dão o tom. É a banda.
Tudo
é inconformismo, pela perda, pela partida, pela ausência.
E,
compasso por compasso, a banda exalta aquela dor. É o respeito
diante da morte.
O
caixão desce a tumba em meio a orações e lágrimas de todos. Uma
última flor é jogada. Depois pás de terra selam o final de mais
uma existência.
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Rebirth brass band |
Então,
como mágica, na volta, a banda toma a frente, tocando, por exemplo a alegre
''When the saints go marching in''.
Atrás,
o cortejo toma outras cores. As cores da alegria, felicidade,
esperança, exaltação. Todos dançam, riem, pulam, sorriem, e a
banda, compasso por compasso, exalta aquela alegria.
O
som é de uma felicidade contagiante, que induz os corações a pulsarem
vida.
Sim!!!
É a alegria pela continuidade da vida...seja aqui...seja em outra
dimensão, porém, vida!
New
Orleans, na mesma época, comecinho do século vinte.
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fotosearch |
O
clima é quente. No ar respira-se as cores do local. Morros
verdejantes de um lado. O mar de outro.
Despojado,
aquele rapaz caminha pela calçada, da rua de um bairro periférico.
Alegre,
cuida bem de sua companhia. Sim, a companhia que estará ao seu lado,
para falar de amor e desamor, mas em tons leves. Também, para falar
do doce cotidiano descompromissado, humorado, engraçado, de um ser
que, como ele, pupula pela cidade bonita, colorida, iluminada e
alegre. Aquela companhia, daquele rapaz, também o ajuda a ter
esperança, e não deixar a vida desandar: o violão. O mesmo violão
que poderia ser um ''passaporte'' para a cadeia, já que, na época,
''era coisa de vagabundos''.
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nosso.jor.br |
Logo,
ele encontra amigos, que, numa esquina, ou varanda farão aquela bela
roda de risadas, cervejas e muita música.
Ali reunidos, cada qual empunha seu instrumento. Pode ser flauta,
violões, cavaquinho, bandolim, pandeiro, quem sabe um acordeon,
dizem que até piano. Mas fiquemos nos cinco primeiros. Sim, mais
baratos, leves e, nem por isso, menos virtuoses (claro, desde que em
boas mãos).
E,
entre um ''vamos tocar essa'', e ''vamos tocar aquela''. Alguém
lembrou de um violonista virtuose e compositor inspirado.
João
Pernambuco.
Rio
de Janeiro, na mesma época. Inicialzinho do século vinte
Rosa Carioca, com Leandro Carvalho