Hilário
apesar de trágico
Márcio
Barker
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Desenho de João Pinheiro |
1
- Daí, na subida do morro, ele fica sabendo que bateram na mulher
dele. Que absurdo! Pois não se pode bater numa mulher que não seja
a sua. Como não gostou daquele assunto, já foi dizendo pro
valentão: ''venho resolvido a mandar você para a cidade de pé
junto, vou lhe tornar em um defunto''.
2
- Fantasiado de pintor, ele desembarca no aeroporto. E, logo
impressiona a platéia, pintando triângulos redondos e um quadrado
todo oval. Detalhe: não pintava nem nos muros da Central.
3
- Ganhou na loteria, pagou as dívidas e comprou um avião azul, para
viajar pela América do Sul...quanta felicidade...mas tudo termina
num chocoalhão da mulher, que o acorda para ir ao trabalho.
4
- No meio da calçada, ele tenta vender pomada pra calo, sabão pra coceira que é um desacato. Mas avisa que, se o calo não sair em
quinze dias como a pomada promete, o senhor pode arrancar-lo a
canivete.
Mas
tudo ia bem, até aparecer um guarda impertinente.
Ele
tenta argumentar: ''Mas seu guarda, só tô me defendendo.''
E
o guarda: ''Neca, que a cana é dura, e você vai comigo''.
5 – E a nega Risoleta
então? Mas que falseta! Por ciúmes, quebrou o seu chapéu de
palhinha, de abinha bem curtinha, presente da Rosinha. E, de quebra,
rasgou o melhor terno que tinha, comprado a prestação, por preço
de ocasião, do Salomão.
Histórias, histórias.
Sem dúvida hilárias, apesar de trágicas. Histórias de universo
que fica à margem, das luzes das metrópoles, que revelam uma gente
que, como qualquer outra, respira, trabalha, ama, tenta sobreviver,
pese tanto sofrimento, dureza, preconceito, abandono. Universo, onde
vivem pessoas como eu, e você, mas que, ou têm a pele mais escura,
ou não tiveram a nossa sorte, de ter acesso a oportunidades que a
sociedade oferece para crescer.
É um universo que vive a
margem da megalópole, ignorada pela megalópole, esquecida da megalópole.
Lembrada apenas por histórias trágicas, contadas em na mídia
sensacionalista, a troco de uma audiência masoquista. Lembrada
também, pelo populismo safado, em tempos de eleição. Histórias
de uma gente, cujo dia a dia, é um desafio para sobreviver, a custa
de muita imaginação, improviso e, por vezes, com boas pernas para
escapar da polícia.
São histórias,
verdadeiras crônicas ou pinturas, contadas pelo samba de breque,
numa linguagem simples, colorida, direta, diferente e
humorada...apesar da tragédia que estão em suas entre linhas.
E, sem dúvida, o grande
herói do samba de breque é Moreira da Silva, que, como poucos,
trafegou naquele universo, que tão bem soube retratar.
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letras.mus. |
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