terça-feira, 9 de outubro de 2018

Hilário apesar de trágico

Hilário apesar de trágico
Márcio Barker

Desenho de João Pinheiro


1 - Daí, na subida do morro, ele fica sabendo que bateram na mulher dele. Que absurdo! Pois não se pode bater numa mulher que não seja a sua. Como não gostou daquele assunto, já foi dizendo pro valentão: ''venho resolvido a mandar você para a cidade de pé junto, vou lhe tornar em um defunto''.

2 - Fantasiado de pintor, ele desembarca no aeroporto. E, logo impressiona a platéia, pintando triângulos redondos e um quadrado todo oval. Detalhe: não pintava nem nos muros da Central.

3 - Ganhou na loteria, pagou as dívidas e comprou um avião azul, para viajar pela América do Sul...quanta felicidade...mas tudo termina num chocoalhão da mulher, que o acorda para ir ao trabalho.

4 - No meio da calçada, ele tenta vender pomada pra calo, sabão pra coceira que é um desacato. Mas avisa que, se o calo não sair em quinze dias como a pomada promete, o senhor pode arrancar-lo a canivete.
Mas tudo ia bem, até aparecer um guarda impertinente.
Ele tenta argumentar: ''Mas seu guarda, só tô me defendendo.''
E o guarda: ''Neca, que a cana é dura, e você vai comigo''.

5 – E a nega Risoleta então? Mas que falseta! Por ciúmes, quebrou o seu chapéu de palhinha, de abinha bem curtinha, presente da Rosinha. E, de quebra, rasgou o melhor terno que tinha, comprado a prestação, por preço de ocasião, do Salomão.

Histórias, histórias. Sem dúvida hilárias, apesar de trágicas. Histórias de universo que fica à margem, das luzes das metrópoles, que revelam uma gente que, como qualquer outra, respira, trabalha, ama, tenta sobreviver, pese tanto sofrimento, dureza, preconceito, abandono. Universo, onde vivem pessoas como eu, e você, mas que, ou têm a pele mais escura, ou não tiveram a nossa sorte, de ter acesso a oportunidades que a sociedade oferece para crescer.
É um universo que vive a margem da megalópole, ignorada pela megalópole, esquecida da megalópole. Lembrada apenas por histórias trágicas, contadas em na mídia sensacionalista, a troco de uma audiência masoquista. Lembrada também, pelo populismo safado, em tempos de eleição. Histórias de uma gente, cujo dia a dia, é um desafio para sobreviver, a custa de muita imaginação, improviso e, por vezes, com boas pernas para escapar da polícia.
São histórias, verdadeiras crônicas ou pinturas, contadas pelo samba de breque, numa linguagem simples, colorida, direta, diferente e humorada...apesar da tragédia que estão em suas entre linhas.
E, sem dúvida, o grande herói do samba de breque é Moreira da Silva, que, como poucos, trafegou naquele universo, que tão bem soube retratar.

letras.mus.





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