terça-feira, 9 de outubro de 2018

Noel Rosa


Noel Rosa
Márcio Barker

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Viveu bem pouco, mas...viveu!!! Os poucos anos vividos por Noel Rosas, valeram por muitos mais.
É de se perguntar, como um camarada que chegou apenas aos vinte e seis anos, pode deixar composições incríveis. Ele foi um cronista de seu tempo. Irônico, humorado, satírico, romântico, aliás, diga-se de passagem que, seu romantismo ia bem além da simples rima, ''dor'' com ''amor'', aliás surradíssima.
Mas, se Noel se notabilizou com um romantismo praticamente único, ele também soube falar, e muito bem, das coisas do cotidiano.
A inspiração de Noel estava nos seres humanos com quem cruzava, em seu dia a dia carioca.
De coisas praticamente banais, desapercebidas, simples, sem importância, Noel Rosa sabia tirar a essência para composições únicas.
Exemplos não faltam. E, um ótimo exemplo está numa passagem que ocorreu com Noel, na cidade de Campos, no Rio de Janeiro.
Conta-se, que numa excursão naquela cidade, alguém se aproximou, e pediu uns dez mil réis, a Noel Rosa. Pediu emprestado, e que, na semana seguinte pagaria.
Noel emprestou.
Passou uma semana...bem, na verdade foram várias as semanas passadas, e Noel nunca mais viu quem pediu, e muito menos os dez mil réis.
Se isso acontecesse comigo, ou com você, é bem provável que, no mínimo iríamos espumar de raiva.
Mas Noel era Noel. Esse fato desagradável serviu como inspiração, para um ótimo samba, em forma de carta: ''Cordiais Saudações''.
Ouçam, e divirtam-se com o humor e inteligência de Noel Rosa



Hilário apesar de trágico

Hilário apesar de trágico
Márcio Barker

Desenho de João Pinheiro


1 - Daí, na subida do morro, ele fica sabendo que bateram na mulher dele. Que absurdo! Pois não se pode bater numa mulher que não seja a sua. Como não gostou daquele assunto, já foi dizendo pro valentão: ''venho resolvido a mandar você para a cidade de pé junto, vou lhe tornar em um defunto''.

2 - Fantasiado de pintor, ele desembarca no aeroporto. E, logo impressiona a platéia, pintando triângulos redondos e um quadrado todo oval. Detalhe: não pintava nem nos muros da Central.

3 - Ganhou na loteria, pagou as dívidas e comprou um avião azul, para viajar pela América do Sul...quanta felicidade...mas tudo termina num chocoalhão da mulher, que o acorda para ir ao trabalho.

4 - No meio da calçada, ele tenta vender pomada pra calo, sabão pra coceira que é um desacato. Mas avisa que, se o calo não sair em quinze dias como a pomada promete, o senhor pode arrancar-lo a canivete.
Mas tudo ia bem, até aparecer um guarda impertinente.
Ele tenta argumentar: ''Mas seu guarda, só tô me defendendo.''
E o guarda: ''Neca, que a cana é dura, e você vai comigo''.

5 – E a nega Risoleta então? Mas que falseta! Por ciúmes, quebrou o seu chapéu de palhinha, de abinha bem curtinha, presente da Rosinha. E, de quebra, rasgou o melhor terno que tinha, comprado a prestação, por preço de ocasião, do Salomão.

Histórias, histórias. Sem dúvida hilárias, apesar de trágicas. Histórias de universo que fica à margem, das luzes das metrópoles, que revelam uma gente que, como qualquer outra, respira, trabalha, ama, tenta sobreviver, pese tanto sofrimento, dureza, preconceito, abandono. Universo, onde vivem pessoas como eu, e você, mas que, ou têm a pele mais escura, ou não tiveram a nossa sorte, de ter acesso a oportunidades que a sociedade oferece para crescer.
É um universo que vive a margem da megalópole, ignorada pela megalópole, esquecida da megalópole. Lembrada apenas por histórias trágicas, contadas em na mídia sensacionalista, a troco de uma audiência masoquista. Lembrada também, pelo populismo safado, em tempos de eleição. Histórias de uma gente, cujo dia a dia, é um desafio para sobreviver, a custa de muita imaginação, improviso e, por vezes, com boas pernas para escapar da polícia.
São histórias, verdadeiras crônicas ou pinturas, contadas pelo samba de breque, numa linguagem simples, colorida, direta, diferente e humorada...apesar da tragédia que estão em suas entre linhas.
E, sem dúvida, o grande herói do samba de breque é Moreira da Silva, que, como poucos, trafegou naquele universo, que tão bem soube retratar.

letras.mus.





segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Vagabundagem em Alta


A Vagabundagem em Alta
Márcio Barker



Passo do malandro - Lia Snaders


''Trabalho igual ao meu
todo mundo quer,
mas nem todos podem arranjar.
Pego as onze horas,
largo ao meio dia.
E tenho uma hora pra almoçar.
Não há coisa melhor,
do que não fazer nada,
e depois descansar.''

Ismael silva


Rio de Janeiro, primeira metade do século passado.
E, lá vai ele, caminhando por uma rua qualquer. Na cabeça, algumas perguntas: a sua próxima refeição, do que seria? Onde seria? E como consegui-la?
As respostas eram vagas. De concreto, apenas o apetite, com o melhor dos tempêros: a fome.
O terno branco de linho e o chapéu panamá, ou de palha, ajudavam a amenizar o calor carioca. Por de trás da elegância do terno, do sapato bicolor, da gravata, do cravo na lapela, lá vai indo mais um infeliz, marginalizado.
Quem sabe morador dos antigos cortiços do centro da cidade, que foram derrubados em nome do progresso, e depois morador num barraco, dependurado num morro.
Sem emprego fixo, sem moradia descente, vivendo de bicos, ou de pequenos e indolores golpes. Debaixo do braço o violão, companheiro do samba no boteco, seresta, ou na cela, na delegacia. Dono de extensa ficha na polícia, pelo crime de vadiagem.
Lá ia ele pensando na sua próxima refeição e, primordialmente, como consgui-la. Puxa!!! Não era fácil essa tarefa diária, de sucesso duvidoso, incerto... Algumas vezes uma carteira, num bolso distraído, num bonde. Ou aquele amigo, que por acaso encontra no sentido contrário, na mesma calçada, ou ainda, aquela amiga, que palavras doces, e mãos sedutoras, conseguem arrancar uma ''ajuda''.
Lá vai ele, o malandro, o anti-herói, que faz da vagabundagem a arte da sobrevivência.
Como arma, usa sua simpatia, voz macia, gestos elegantes. Inpossível resistir. Ou em casos extremos, um belo par de mãos invisíveis, leves, ágeis, capazes de operações inimagináveis, no aperto do bonde vespertino. Detalhe: sem causar maiores traumas ao incauto, o dono da carteira. Um verdadeiro mágico da mão leve, rápida, insensível. Que beleza! Mais um dia salvo, mais uma, ou duas, refeições ganhas. Mais algumas cervejas, para animar um bom papo, até o galo cantar, anunciando o amanhecer.
Bem, já é hora de deitar.
Viva o malandro!



A Voz do Povo Márcio Barker pinterest Mal iluminada, suja, poças d'água. O local é uma zona portuária que, como to...